Video Games

Fort Solis – Análise (PS5)

Quando eu era criança, eu lembro de ter assistido ao primeiro Alien e entender que o terror não está em imagens grotescas ou monstros feiosos e nojentos, mas sim no clima, na criação de um ambiente hostil, inóspito e ameaçador. Tal sentimento foi reativado quando joguei o primeiro Dead Space, que me colocava o tempo todo numa apreensão e numa claustrofobia virtual nos corredores escuros da Ishimura.

 

Agora em 2023, uma nova aposta do suspense espacial chega para Playstation 5 e PC/Mac em Fort Solis, desenvolvido pela Fallen Leaf e distribuído pela Dear Villagers. O game tem uma premissa interessante e promete ser uma jornada enxuta, capaz de ser concluída em uma única jogada. Mas será que ele consegue trazer novamente esses sentimentos vistos nessas obras citadas acima, gerando medo, ansiedade e um senso de emergência que acompanha o jogador do início ao fim?!

 

Para isso, vamos precisar fazer uma viagem até a superfície de Marte. Então, venha comigo e certifique-se que seu plano de saúde está em dia.

 

2080 – UMA ODISSÉIA NO ESPAÇO

O ano é 2080. A exploração de outros planetas já é uma realidade. Dois engenheiros, Jack Leary e Jessica Appleton, estão trabalhando nos reparos de uma das instalações de mineração de Marte. Jack está prestes a sair de férias e tudo parece ir bem para o seu retorno à Terra, para reencontrar a família. Então, somos surpreendidos com um pedido de socorro de uma outra instalação chamada Fort Solis. Jessica até comenta que achava que essa instalação estava desativada. Jack então decide ir até o lugar e saber o porque daquele pedido de socorro e é aqui que o jogo começa.

 

A primeira coisa que chama a atenção em Fort Solis é o seu visual. As texturas das roupas dos personagens, do ambiente, sejam eles internos (como nas instalações e seus múltiplos cenários) ou externos mostrando a grandiosidade e a imensidão vazia de Marte,  é tudo muito bem feito e bem polido e dá a sensação de que Jack (e por consequente, o jogador) estão explorando aquele planeta.  Vale ressaltar que este é o primeiro game do estúdio inglês Fallen Leaf, sediado em Liverpool e também em Varsóvia.

 

Jack recebe um pedido de socorro da base Fort Solis e decide verificar antes de sair para suas merecidas férias – Imagem: Dear Villagers / Fallen Leaf

 

O áudio é muito bem trabalhado e consegue criar a ambientação perfeita. Eu recomendo muito para quem for jogar Fort Solis que jogue usando fones de ouvido, já que cada detalhe no áudio é quase um ASMR de tão impressionante, indo desde os passos de Jack no terreno arenoso da superfície de Marte, até o som das instalações, com canos batendo, estruturas balançando etc. Isso também se estende para a trilha sonora, bastante densa e que consegue deixar um clima de tensão no ar.

 

Sobre a história, ela é dividida em quatro capítulos que se prolongam por essa última noite de Jack em solo marciano. A proposta é que o jogador consiga terminar o game em uma única sessão, então não espere um jogo longo. Pelo contrário, a campanha tem cerca de 5 à 6 horas, se você explorar bem todos os locais e interagir com os objetos, ler e-mails contando um pouco mais da rotina dos internos de Fort Solis, ouvir arquivos de áudio e assistir aos vídeos disponíveis nos terminais para completar esse quebra-cabeça. Sobre esses arquivos de áudio e vídeos, eles serão suas principais fontes de informações sobre o que aconteceu ali. Mas não espere uma sequência cronológica de eventos. Seguindo algumas fórmulas vistas em outros games, Fort Solis possui uma narrativa bastante fragmentada e que exigirá atenção do jogador, caso este queira se aprofundar nesse suspense.

 

As atuações, eu confesso que fiquei muito surpreso com os videologs encontrados nos terminais de acesso. As expressões dos personagens e a captura de movimentos é algo que impressiona bastante para um projeto independente. Tudo é muito natural, fluido e passa exatamente os sentimentos variados dos personagens naquele momento em que estão diante da câmera.

 

As atuações em Fort Solis, somados aos gráficos e efeitos sonoros, transmitem uma claustrofobia virtual bem interessante – Imagem: Dear Villagers / Fallen Leaf

 

Para quem não liga muito para história e quer se focar no gameplay, bom, eu tenho MÁS NOTÍCIAS. Mas deixarei para falar sobre isso mais à frente, porque talvez este seja o ponto mais NEGATIVO sobre o game.

 

Segundo o diretor do jogo, James Tinsdale, o jogo tem a premissa de ser algo cinemático, como uma série de TV ou filme – isso também é reforçado pela duração do jogo, feita de maneira mais enxuta propositalmente – . Por isso, não espere ver uma HUD (interfaces como medidores de pontos de vida, munição e etc) na tela. Tudo aqui é desprovido de muita informação para o jogador, que deverá descobrir junto ao personagem o que está acontecendo e o que deve fazer para avançar na história.  Então, não espere tutorias de como utilizar a navegação do mapa, ou de quais objetivos fazer e para onde ir. Tudo aqui é bastante vazio, tal qual o planeta em que estamos.

 

ENTRE PLANOS DE SAÚDE E CAMINHADAS AO AR LIVRE

Bom, existe o jeito rápido e sem rodeios de dizer o que é Fort Solis. Primeiro, vou começar com esse conceito: Fort Solis é um Walk Simulator. Simples assim. Você LITERALMENTE só anda pelos cenários, interage com objetos, terminais de computadores, realiza certas ações e quando o jogo transiciona para cinemáticas em que algo vai acontecer, você tem algumas sequências de botões que, ao serem pressionados de forma e no tem correto, realizam ou não ações. Caso você falhe, a sequência corre, mas com mudanças sutis. É IMPOSSÍVEL morrer, mas você pode sim falhar.  E talvez isso tenha sido um grande problema para mim, pois tudo me parece emergente demais para que Jack apenas ande despretensiosamente pelos cenários. Tudo é feito de uma maneira lenta, vagarosa e que parece destoar do que o motivou a ir até o complexo e investigar o que estava acontecendo.

 

Ainda mais porque você necessariamente vai precisar ir e voltar em certos lugares e esse trajeto acaba sendo bastante chato de se fazer com o seu personagem não dando à mínima para a situação. Além disso, é possível sentir o peso do personagem ao realizar essas caminhadas. O que é legal em ambientes externos, uma vez que você vai se deparar com algumas tempestades de areia na parte exterior do complexo. Mas em certos trechos, a falta de visibilidade somado a lentidão na movimentação do personagem vão te deixar bastante desorientados e tomando mais tempo do que o necessário.

 

Apesar do game ter veículos, todo o trajeto é feito à pé, e CAMINHANDO – Imagem: Dear Villagers / Fallen Leaf

 

Além disso, a única ação direta que o personagem tem enquanto anda é o acesso a um terminal digital em seu antebraço, em que você pode acessar os vídeos assistidos nos terminais, ouvir novamente os áudios coletados nos cartões de memória espalhados pelo mapa, reler e-mails e verificar o mapa do local. Esta última, talvez seja uma das piores formas de navegação, já que a proposta do jogo é não levar o jogador para outra tela e ser tudo “in-game“. Apesar do mapa possuir zoom, tudo é muito pequeno e a localização do jogador também tem suas falhas. Durante a minha gameplay tiveram momentos em que o marcador do personagem simplesmente SUMIU, me deixando completamente perdido.

 

Além disso, as informações sobre o seu objetivo ficam no canto superior do painel, sem muito destaque, o que pode fazer com que o jogador fique perdido em saber para onde ir e o que fazer.

 

Fort Solis é um jogo com um ritmo lento, tanto em gameplay como em progressão de história. Muito do enredo você encontrará principalmente em trocas de e-mails entre os funcionários da instalação. Destes, talvez o que mais me chamou a atenção foi sobre uma oferta de 15% de desconto nos planos de saúde para os funcionários, o que indica que em 2080 conquistou-se o espaço e evoluiu-se a exploração interplanetária, mas não atingiu-se um sistema de saúde universal e gratuito. Isso me faz questionar se essa mineradora que está explorando Marte é a mesma que destroça países subdesenvolvidos, em prol do bem-estar da população do seu país de origem.

 

EXISTE VIDA EM MARTE?

Fort Solis tem uma premissa interessante, um enredo que te prende e é um jogo curto para quem procura uma alternativa rápida de suspense espacial. Porém, eu não posso dizer que ele consegue se sustentar apenas nessa base. Infelizmente eu não gostei do gameplay, achei ele um jogo por vezes monótono e chato. O que mais quebrou a minha imersão nesse jogo foi sentir que não havia urgência em resolver os problemas que motivaram o personagem principal a investigar esse misterioso pedido de ajuda. Em suma, Fort Solis me pareceu um grande potencial desperdiçado. À todo momento, parece que o jogo poderia ser mais. Poderia ser mais ágil; poderia ser mais terror; poderia ser mais ousado.

 

Entendo a proposta dele ser uma experiência mais próxima de uma série de TV de ficção científica ou um filme, mas acho que até mesmo nesta proposta ele não atinge totalmente o seu objetivo. Algumas pequenas mudanças já tornariam essa experiência mais imersiva e menos enfadonha. Jogos com essa premissa, como Detroit: Become Human ou até mesmo o (quase) esquecido The Order: 1886 conseguem mesclar bem a tomada de decisões, a ação, a exploração, com momentos mais “cinema in-game”. E eu acho até ótimo que o jogo seja uma experiência enxuta, pois eu não aguentaria mais 5 horas de andança sem rumo por Marte.

 

Fort Solis é um jogo “ok”, que vai agradar os fãs de um enredo intrigante e de suspense. Neste primeiro projeto, a Fallen Leaf mostra que tem potencial para criar histórias e DEVE ousar em projetos futuros. Sim, o jogo tem pontos positivos e acertivos, porém coisas simples acabaram me deixando cansado e até mesmo frustrado enquanto jogava (e olha que eu estou acostumado com caminhadas longas. Não sei se é a gravidade de Marte, mas…).

A única certeza do futuro é que não teremos um sistema de saúde universal e gratuito para os trabalhadores que colonizaram Marte. Mas ao menos teremos 15% de desconto.

Este jogo foi gentilmente cedido pela assessoria de imprensa da Dear Villagers para esta análise
Vinícius Vidal Rosa

Ex-técnico em informática, jornalista formado e apaixonado por games e tecnologia. Faz do seu tempo livre, uma maneira de levar informação e falar sobre o que gosta.

Disqus Comments Loading...
Compartilhe
Publicado por
Vinícius Vidal Rosa

Posts recentes:

Saiba como remover a Meta AI do seu telefone

última atualização do WhatsApp trouxe uma novidade no mínimo controversa. A Meta AI (que vale…

4 semanas atrás

Nikoderiko – The Magical World – Análise (PS5)

Eu lembro que ali pelos meus 8 ou 9 anos, eu tinha o hábito de…

1 mês atrás

O Escudeiro Valente (The Plucky Squire) – Análise (Switch)

O que compõe um jogo de videogame? Seria apenas uma junção de mecânicas atrelada a…

2 meses atrás

SVC CHAOS: SNK vs. Capcom – Análise

Eu nunca fui um grande fã de jogos de luta. Bom, não fã do tipo…

4 meses atrás

House of the Dragon: as diversas emoções da segunda temporada

O prelúdio da série mais icônica e aclamada pela crítica, Game of Thrones, House of…

5 meses atrás

Feito em Cuba por duas pessoas, Saviorless chega no PC, PS5 e Nintendo Switch

A editora francesa Dear Villagers e o pioneiro estúdio indie cubano Empty Head Games têm…

8 meses atrás

Este site utiliza cookies de terceiros para recompilar informação estatística sobre sua navegação. Se continuar a navegar, consideramos que aceita o uso.