Em um mundo cada vez mais acelerado, eu tenho prezado por experiências mais enxutas de games. Não que eu não goste de longas experiências, quando essas me prendem seja por um gameplay agradável, ou por uma história envolvente.
Não é sempre que consigo me ver com tempo disponível para jogos que exigem um pouco mais, sobretudo quando esses são de um gênero bem conhecido, e que até te recompensam por passar mais tempo com ele – os metroidvanias.
Lançado originalmente para PC em setembro de 2024 e desenvolvido pela NeckBolt e distribuído pela Burning Planet Digital, Alruna and the Necro-Industrialists agora chega ao Nintendo Switch em março de 2025.
A minha experiência com Alruna and the Necro-Industrialists foi bem satisfatória. O tempo que eu passei com ele foi muito mais sobre uma experiência de gameplay que me pegou, do que propriamente o seu pano de fundo que deveria ser um grande atrativo para mim.
E é sobre ele que falarei nessa análise de hoje: um metroidvania eco-anarquista? Mais uma obra sobre um possível futuro pós-apocalíptico, mas que dessa vez dá nome aos culpados? Ou só mais um game na maré dos metroidvanias para uma coleção infindável?
QUEM MATOU O MUNDO?
Eu já quero começar essa análise propriamente tirando um elefante da sala: Alruna and the Necro-Industrialists – que eu vou chamar apenas de Alruna nessa análise – é um jogo ABERTAMENTE de esquerda! Tenha isso em mente. A crítica dele é em uma clara alusão ao sistema capitalista que extrai recursos finitos de maneira infinita, em busca de lucros infinitos.
O jogo possui uma premissa que não é lá muito original ou que já não tenhamos visto em outras obras da ficção: um mundo em decadência e moribundo, em que todos os recursos foram sugados até restar apenas uma vastidão árida. Nele, os necro-industrialistas acumulam riquezas e recursos essenciais, enquanto espalham seus exércitos de homens-esqueletos para lidar com quem se opõe a sua sede de ganância e poder. Cabe aos dríades, uma raça de humanóides que possuem aspectos de plantas, derrotar essa ameaça e você será a líder dessa revolução.

Alruna é uma dríade que precisa enfrentar um exército de cadáveres mecanizados à serviço dos necro-industrialistas – Imagem: Steam
A grande questão do game é: os homens esqueletos são seus reais inimigos, ou eles sofrem tanto quanto os dríades nas mãos dos necro-industrialistas e sua ganância sem fim? Cabe a você descobrir isso.
Para essa narrativa ser desenvolvida, os NPCs te darão algumas pistas sobre o que ocorreu nesse mundo. Essas pistas são todas baseadas em músicas de bandas majoritariamente com um viés político de esquerda, como System of a Down e Rage Against the Machine. Há outros grupos envolvidos, e em cada mensagem, há uma música nova para ser descoberta sobre as mazelas do capitalismo selvagem.
O jogo também traz algumas citações de filmes que abordam essa temática, como Mad Max: Estrada da Fúria, e também abre com um trecho do poema “The Waste Land”, do poeta inglês T.S.Eliot, que faz uma alegoria à desilusão da geração pós-guerra.
Apesar de simples, Alruna é um game que tem suas camadas de profundidade. E vamos cavar mais fundo na areia desse deserto.
SIMPLES E PROFUNDO
Alruna é um jogo simples. Simples assim. Ele é um jogo que não quer reinventar a roda que gira os metroidvanias. Mas eu também não posso dizer que ele é mais um, sem identidade ou coisa do tipo. Longe disso!
Ele possui um visual simples, que imita muito bem os jogos da era 8-bit do Nintendinho e do Master System; possui uma boa trilha, mesmo que majoritariamente composta por sons que simulam um chip-tune (aqueles tec-tuc-tik-ton… Ah, vocês entenderam!); e uma jogabilidade bem simples. Alruna, a nossa personagem principal, pode andar, pular, pular mais alto usando um impulso ao ficar agachada, atacar, usar itens especiais e usar um dash no ar ou uma rasteira.
Diferentemente de todos os demais metroidvanias que você encontra por aí, a grande diferença desse jogo é que todas essas habilidades que você tem, como dash no ar e a rasteira são habilidades que você já possui. Isso pode parecer uma grande vantagem no início, mas com o tempo você descobre o quão fora da caixa Alruna pode ser.
Isso porque a estrutura do game não quer que o jogador siga uma sequência pré-determinada. A própria descrição do game informa que “o foco é a quebra de sequências”. E quando falo em quebras, é o tipo de coisa que até mesmo alguns bugs podem te dar essa liberdade.
Algo interessante de Alruna é que, como dito no início dessa análise, ele é um jogo curto. “Mas curto quanto?” você deve estar se perguntando. Bom, eu digo que a minha primeira jogatina levou cerca de 8h para ser concluída.
“AH MAS ISSO NÃO É CURTO NADA!”. E eu concordo! Porém, o jogo possui diversos desafios de plataformas que te recompensam com uma gota de água (igual aos morangos em Celeste). Essas gotas servem para que você possa fazer um dos finais do jogo. E algumas são EXTREMAMENTE TRABALHOSAS de serem coletadas e vão exigir que você pense fora da caixinha. No entanto, uma vez que você zera o game e aprende sobre os caminhos a serem feitos, suas passagens ocultas e suas interligações, você poderá terminar o game em menos de uma hora tranquilamente (claro, isso também vai depender da sua habilidade).
Sobre habilidades, podemos coletar quatro ao longo do jogo, e cada uma possui uma dinâmica e um “uso especial”. Como usar cada uma delas é parte dos vários segredos que o jogo possui. Então jogue e descubra por conta própria.
COMBATE CONTRA O CAPITALISMO SELVAGEM
Sobre o combate, Alruna segue bem o tradicional, sem muitos segredos. Porém, certos inimigos possuem comportamentos únicos e que vão demandar mais da sua atenção. Inimigos com escudos terão um tempo de abertura da defesa para que você possa contra-atacar. Alguns inimigos só sofrerão dano em uma parte específica ao serem atacados pela primeira vez, e por aí vai.
Talvez o grande destaque – e também um certo desapontamento – são os chefes do game. Todos possuem um visual gigantesco, ocupando a sala inteira, e mesclam o orgânico e o mecânico, e revelando porque os “necro-industrialistas” possuem esse nome. No entanto, as batalhas possuem mecânicas repetitivas e de poucas variações, oferecendo um desafio bem simplista de combate contra os grandes vilões da trama.

Os chefes tem visuais ameaçadores e dão o tom do porque os vilões são chamados de “necro-industrialistas”. – Imagem: Steam
Eu não sei se isso foi feito de maneira proposital, para que o game seja realmente uma experiência bem enxuta, ou para ser uma alusão que não importa o quão ameaçador os “necro-industrialistas” do nosso mundo pareçam criaturas ameaçadoras, eles podem facilmente serem vencidos através da revolta (eu gosto de acreditar que essa segunda colocação é mais poética e incentivadora, tá?).
UM OASIS DE PROBLEMAS?
Como eu disse anteriormente no texto, uma das premissas de Alruna é fazer essa quebra de caminho, podendo coletar itens antes da hora se você souber para onde ir. No entanto, enquanto eu jogava o game, uma série de pequenos problemas aconteceu. E problemas esses que não me ajudaram a avançar no game, mas me fizeram retornar a tela de título, porque simplesmente não havia o que fazer.
Foram incontáveis vezes travado em paredes, flutuando no ar sem poder me mover, rasteiras infinitas e em um dos casos mais graves, eu acabei caindo na tela de título, controlando Alruna e sem poder sair.
Outra coisa que eu desgostei bastante é que alguns comandos respondem muito mal ao input dos controles. Não foram as poucas as vezes que eu dependi de fazer o comando da rasteira e a personagem não registrava a ação. Alguns problemas com o salto impulsionado também ocorreram, o que acabou comprometendo alguns momentos da exploração.

Mensagens assim são praticamente comuns. Será que você consegue desvendar esse mistério? – Imagem: Steam
Obviamente, alguns bugs eu acabei “dominando” e pude me favorecer disso, o que me possibilitou fazer um dos finais do jogo, atravessando alguns blocos. É claro que não queremos que o jogo contenha bugs ou problemas que interfiram na progressão. Alruna parece subverter um pouco essa lógica e te incentiva que você otimize o game através do que muitos puritanos chamariam de “trapaça”. Mas é aquela coisa: se está no jogo, pode usar.
Um dos problemas que faço questão de ressaltar é que o jogo não possui versão em Português. Não que o texto do game seja de difícil compreensão, mas obviamente a barreira linguística pode ser algo que afaste alguns jogadores. E como ele acaba se favorecendo do texto para contar a sua história, nada mais justo do que tê-lo localizado.
A FLOR NO DESERTO OU UM PUNHADO DE AREIA?
Alruna and the Necro-Industrialists é uma grata surpresa para quem busca um jogo curto, desafiador, simples, mas profundo na medida certa. O jogo possui sim alguns prontos negativos, como alguns problemas de controles e também a falta de uma localização em português, mas que não apagam o seu brilho.
Infelizmente, não sei se pela sua modesta divulgação ou pelo seu viés político nada velado, o game parece não ter ganho ainda uma notoriedade ou figurar entre os “metroidvanias de destaque”.
Para ser honesto, o único lugar no Brasil que eu vi falando sobre ele, foi em um dos episódios do Vértice, do Jogabilidade. Até o momento, só encontrei análises e vídeos de gringos falando e fazendo speedruns do game.
Seja como for, Alruna and the Necro-Industrialists é uma flor no meio do deserto dos metroidvanias que certamente merece a sua atenção.
Esta cópia de Nintendo Switch de Alruna and the Necro-Industrialists foi gentilmente cedida pela Burning Planet Digital