O Escudeiro Valente (The Plucky Squire) – Análise (Switch)

O que compõe um jogo de videogame? Seria apenas uma junção de mecânicas atrelada a uma jogabilidade, com efeitos visuais e a somatória de um enredo e regras predispostas ao jogador? Ou quem sabe as muitas formas de se apreciar uma história, sendo uma narrativa linear ou não linear, colocando o jogador em situações diversas e adversas?

Realmente, é difícil de conseguir definir o que faz um jogo de videogame. Pode ser tudo isso que eu descrevi, ou até mesmo nada disso. Cada um tem uma ideia do que compõe o cerne de um jogo.

Mas uma coisa é fato: tudo isso envolve o lúdico, a fantasia e a imaginação. Quando eu vi “The Plucky Squire” – ou como ficou o título aqui no Brasil, “O Escudeiro Valente”, algo ali chamou a minha atenção: ele parecia ter tudo o que compõe um jogo de videogame. Ação, aventura, enigmas, uma jogabilidade que remetia a clássicos consolidados, mas sobretudo, o lúdico gritava alto naquele trailer inicial.

Ansioso pela vinda, resolvi desbravar o mundo de Ártia e me surpreendi, tanto positiva quanto negativamente. Quer saber mais sobre as meta-aventuras de Pontinho e seus amigos? Então confira a nossa análise sobre “O Escudeiro Valente”.

Eu acho que é possível resumir O Escudeiro Valente em uma palavra: meta. E não, não estou falando da empresa gerida por Mark Zuckenberg nesse contexto. O jogo emana uma narrativa de quebra da quarta parede – e isso se prova meio “literal” ao longo do jogo.

 

A HISTÓRIA SEM FIM

Tudo começa ao adentrarmos o quarto de um garoto chamado Sam. Sam parece ser uma criança bastante imaginativa, com seu quarto repleto de brinquedos, desenhos e pinturas de tinta guache. Em cima da mesa, há um livro que dá nome ao jogo. Nele, somos apresentados a Pontinho, o nosso protagonista, o próprio Escudeiro Valente. Pontinho é um aventureiro no melhor molde de Link, de The Legend of Zelda, brandindo sua espada e saindo em aventuras para salvar a terra de Ártia do terrível feiticeiro Enfezaldo, que quer a todo custo, tomar o poder do reino de Ártia e do mundo de Mana (o “planeta” em que se passa o jogo) para si.

Pontinho, como todo protagonista e herói de um livro, sempre vence no final. Esse ciclo de histórias acabou por inspirar Sam, a criança metafórica da história, a ter um destino de ser um grande escritor de histórias infantis. Mas tudo muda quando, em uma de suas aventuras para salvar o dia, Enfezaldo descobre o poder da Metamagia e joga Pontinho para fora do livro. Agora, o herói precisa encontrar um jeito de quebrar esse feitiço e impedir que Enfezaldo acabe se tornando o protagonista da história e impedir que Sam vire um adulto sem qualquer traço de imaginação.

 

Enquanto eu jogava O Escudeiro Valente, foi impossível não fazer alguma associação com A História sem Fim, filme de 1984 baseado no livro de Michael Ende, que fala justamente sobre um mundo de imaginação e fantasia que está ameaçado pelo Nada, que é justamente a morte da criatividade e da imaginação. O Escudeiro Valente traz também essa metanarrativa de que, enquanto jogamos e interagimos com o livro, o tempo todo estamos disputando pela vivacidade da imaginação.

O visual do jogo não foi pensado à toa. Ele tem um traço que remete a ilustrações de um livro infantil justamente com o propósito de cativar crianças, mas também os adultos que cresceram lendo livros com essa estética, criando um sentimento de nostalgia bem forte.

 

O QUE FAZ DESSE LIVRO UM VIDEOGAME?

Além de todos esses aspectos descritos anteriormente, O Escudeiro Valente também possui um outro ponto muito forte quando o assunto é “apelar para a nostalgia”: o seu gameplay.
Em grande parte do tempo, nós assumiremos Pontinho e seus amigos Batera  – um troll da montanha que louva uma espécie de divindade do Heavy Metal – e Violeta, uma aprendiz de feiticeira que constantemente é zoada por algumas garotas de sua cidade-natal, mas que é amparada pela mago Barbaluar, um poderoso feiticeiro com uma longa barba em forma de meia-lua – em um plano 2D top-down, como os clássicos da franquia Zelda faziam originalmente. O jogo também é divido por telas, que seriam como as páginas do livro, em que cada duas páginas complementa uma parte do cenário. Nele podemos andar, atacar, pular, rolar e interagir com itens.

Ao encontrarmos um desafio maior, como chefes, o jogo muda de aspecto. Logo no início, é possível ver o jogo alternando para uma espécie de “Punch Out”, clássico jogo de boxe da Nintendo, em que devemos derrotar um Texugo com luvas de boxe. Já em outro momento, o jogo assume um estilo de turnos de um RPG, ou até um jogo rítmico, e até uma espécie de Candy Crush.

O Escudeiro Valente não tem medo de arriscar em vários formatos, pois tudo aqui é uma celebração sobre o que são os videogames. As referências estão ali, e talvez um público mais velho vai conseguir captá-las. Um dos meus momentos preferidos foi lutar contra uma carta de Magic: The Gathering, com direito a uma arte lindíssima, para adquirir um item para avançar no jogo. Certamente, muitos desses momentos vão ser bem marcantes para alguns jogadores que, assim como Sam, cresceram em meio a cultura pop dos anos 90 e 2000.

 

OS METAPROBLEMAS

Sobre a parte META do jogo, é muito interessante ver os personagens tendo uma certa consciência de que eles estão em um livro infantil e como isso traz um frescor para o jogo. Ele está totalmente localizado em português, inclusive com a narração fenomenal de Mauro Ramos, o dublador de Pumba e Shrek. Um trabalho de tradução e adaptação do texto impecável, mas que vez ou outra acaba perdendo um pouquinho do ritmo, pela mudança do inglês para o português. Nada que comprometa o jogo.

E falando em comprometer, é preciso ressaltar que claramente O Escudeiro Valente é um jogo pensado para outras plataformas que não o Nintendo Switch. Eu acabei optando por testar a versão do portátil e até certo ponto, o jogo flui bem, sem grandes problemas. As transições do 2D para o mundo 3D fazem a performance no console cair vertiginosamente, beirando as vezes o injogável. Certos trechos de plataforma são comprometidos por uma resolução baixa, além de uma queda de quadros que deve ficar entre 15 e 20 quadros por segundo.

O jogo também sofrem com alguns slowdowns em transições de um cenário para o outro, ou quando Pontinho precisa adentrar um mundo 2D, fazendo o Switch pedir arrego.

Há também alguns problemas, sobretudo nas partes finais do game, que eu precisei reiniciar o jogo duas vezes porque simplesmente os trechos apresentavam um softlock e não havia como retroceder a ação que não seja reiniciando o jogo.

Alguns bugs também são bem chatinhos, como quando Pontinho encontra algumas lâmpadas, que são utilizadas como moeda no jogo, e elas simplesmente “andam” junto com personagem e é preciso bater no ar para que ela finalmente contabilize. São pequenos problemas que podem ser ajustados com algumas atualizações para o jogo, especificamente na versão de Switch.

Em algumas análises, quem recebeu o jogo em antecipado na versão de PC também enfrentou alguns bugs, mas parece que a performance parece mais estável do que no Switch, que até então pode-se dizer que é a PIOR ESCOLHA para jogar O Escudeiro Valente.

 

OS PROBLEMAS NARRATIVOS

Talvez isso seja apenas uma chatice minha, mas uma das coisas que mais me deixou “cansado” nesse jogo foi a quantidade de texto presente nele. “Ah Vinícius, mas é um jogo sobre livro… Você esperava o quê? Um álbum de figurinhas?”. Tá… Eu entendo esse argumento. O que eu quero dizer é que a cada nova tela, Pontinho é interrompido com algum diálogo.

A ação em tela, quando muito, deve durar pouco mais de dois minutos, pois tudo se resume a derrotar uma horda de inimigos ou fazer algum puzzle que envolve a troca de palavras de um texto para que algo mude no cenário.

É impossível não ser interrompido a cada novo desafio, com linhas de texto que, se você for um grande entusiasta da história, vai ficar mais tempo preso a conversa do que a ação, e isso acaba quebrando muito o ritmo do gameplay. Quando não são os personagens do seu grupo, é uma ligação através do fone BLUTUF (sim, isso é canônico no game), com Barbaluar lhe dando algum conselho ou dica.

Há também algumas questões mecânicas envolvendo a mudança de palavras que poderiam ter sido melhor pensadas ou até mesmo criar mais soluções para os puzzles, pois não é incomum você criar uma solução e ela não se concretizar no game, como por exemplo:

“HÁ ESPINHOS PONTIAGUDOS EM SEU CAMINHO” e em outro trecho há “ESSES COGUMELOS NÃO PARAM DE BRILHAR”. As palavras grifadas podem ser trocadas entre elas. Mas quando você troca o termo PONTIAGUDOS por BRILHAR (que assumem a variação de BRILHANTES), apenas os espinhos daquele trecho em que o texto aparece sofrem a mudança, e não os da tela inteira. A solução está por outra via, o que acaba tornando as soluções muito lineares, dentro de algo que poderia explorar muito mais a criatividade do jogador. Afinal, não era essa a proposta?

 

… E FIM!

Apesar de alguns problemas de performance na versão de Switch e de algumas abordagens que poderiam ser mais trabalhadas. As quase 7 horas que passei com The Plucky Squire – O Escudeiro Valente realmente valeu a pena. Ele é um excelente jogo para jogar com seus filhos e/ou sobrinhos, trazendo todo um ar lúdico e acaba sendo uma grande homenagem a história dos videogames.

Com uma dublagem impecável e totalmente localizado, ele é uma ótima pedida para que você que é fã de videogame como eu, mas que tem pouco tempo, possa fazer uma viagem nostálgica pelos mais variados estilos de jogo, seja ele de luta, puzzle e até shooter e, quem sabe, relembrar boas histórias da sua infância.

A grande reflexão que fica aqui é: O que faz um bom videogame? Bom… eu diria que é o carinho que se tem ao relembrar bons momentos jogando. E você, o que diz?